Meia-noite em Guimarães. Milhares de pessoas acumulam-se no Terreiro do Cano, ali, mesmo ao lado do Campo de S. Mamede onde, no século XII, ocorreu a batalha que originou a nacionalidade. Mas, nesta noite fria de 29 de Novembro a batalha não se faz com espadas ou lanças. As armas são as baquetas e o inimigo está mesmo ali ‘à mão’, preso à cintura ou a tiracolo.
É dado o sinal. O chão estremece. O rufar ensurdecedor dos bombos e caixas anuncia que o “Pinheiro” está em movimento.
É assim desde tempos que a memória esqueceu, mantendo-se esta tradição praticamente inalterada ao longo dos anos. O “Pinheiro” marca o início oficial da celebração profana das “Festas Nicolinas” e é hoje o número mais participado. O seu aparecimento deriva de uma tradição ancestral minhota que consistia em anunciar o início das festas levantando um grande mastro, geralmente um pinheiro, no local onde estas se realizavam.
O cortejo
À cabeça da turba segue o ‘Chefe dos Bombos’. É ele a figura máxima do evento que conduz e lidera todo o cortejo, marcando o ritmo da forte batida.
O “Pinheiro” desloca-se enfeitado com lanternas e um ramalhete verde e branco, as cores escolásticas. É colocado em carros puxados por juntas de bois. À sua frente segue uma representação de Minerva, deusa da sabedoria, desempenhada por um homem travestido envergando um traje de soldado romano.
A condução do “Pinheiro” está vedada às mulheres. Apenas os homens da cidade o podem fazer, numa representação simbólica da virilidade masculina. “Segundo dizem, o Pinheiro tem uma simbologia muito própria. Tem a ver com a virilidade do homem em que se escolhe o pinheiro mais comprido e imponente da região”, explica a responsável pelas Festas Nicolinas no Ensino Secundário, Fátima Marques.
A hora de arranque é sempre à meia-noite. Começa no Terreiro do Cano, seguindo depois pelo castelo da cidade, Palheiros, Rua de Santo António, Toural, Alameda de S. Dâmaso e Campo da Feira, terminando no Largo de S. Gualter. Mas a festa não acaba aqui: no final do cortejo os estudantes assentam arraiais em frente ao antigo Liceu Nacional de Guimarães, onde ficam a ‘rufar’ até ao nascer do sol. Esta tradição é relativamente recente e iniciou-se pelo facto de, há alguns anos atrás, não haver dispensa das aulas nesse dia e os estudantes aglomeravam-se ali, a tocar, para impedir a sua realização.
Vimaranenses espalhados pelo mundo regressam à sua terra neste dia tão especial para a cidade. Anselmo Gonçalves tem 64 anos. Esteve 17 anos em França “a trabalhar nas obras”. Hoje, regressado à terra que o viu nascer, lembra com entusiasmo as loucuras e peripécias que cometeu para nunca falhar a um único “Pinheiro”. No dia 29 de Novembro “fizesse chuva ou fizesse sol, lá estava eu. Não há nada como isto… nem na França”, disse, visivelmente comovido. E, antes da sua voz ficar definitivamente embargada, ainda conseguiu suspirar: “até a alma estremece!”
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